Aluno com Síndrome de Asperger se forma em Jornalismo

Guilherme Moscovich é o primeiro estudante a concluir todo o curso na Unisinos de Porto Alegre

Driblando toda a timidez e dificuldade de comunicação decorrentes da Síndrome de Asperger, Guilherme Moscovich encontrou no curso de Jornalismo uma possibilidade de transformação. Acostumado a ser quieto e reservado, escolheu uma profissão na qual a fala e a comunicação são a chave para um bom desempenho. A Unisinos Porto Alegre foi escolhida para mudar essa realidade e formar um profissional que superou todos os obstáculos em busca de seu sonho – ser um jornalista.

Guilherme tem 23 anos e é o primeiro aluno a cursar 100% do curso de Jornalismo na Unisinos POA a se formar. A Síndrome de Asperger (um tipo de autismo leve) não o afetou na busca pelo diploma. Foram quatro anos e meio de graduação que lhe renderam uma série de aprendizados e desafios, os quais ele recorda com carinho nos dias que antecedem a colação de grau, marcada para o dia 30 de julho.

“Foram anos maravilhosos. Para mim passou rápido o tempo que estudei, fiz novos amigos que sempre confiaram e que continuam gostando de mim, professores extraordinários, que souberam ensinar os conceitos e fundamentos do jornalismo, e eu soube aproveitar muito bem para aprender o que me ensinaram”, conta Guilherme.

Sandra Moscovich, mãe do formando, conta que, se pudesse classificar o período de faculdade do curso, diria que foram anos de extrema felicidade. “Ele adorou a faculdade desde o minuto em que entrou. Então dá para definir o período dele no curso como um momento muito feliz. Além disso, ele gostou muito do ambiente da universidade como um todo, com pessoas mais adultas, colegas que já estão no mercado de trabalho, uma realidade totalmente diferente da escola e com a qual ele se identificou muito rápido. Ele estava pronto para amadurecer, e a Unisinos permitiu que isso acontecesse”, conta a mãe.

A família ressalta que, logo no início do curso, tiveram o cuidado de conversar com a coordenação, na época a cargo de Edelberto Behs, relatando a condição do filho para que as duas partes pudessem contribuir juntas para o desenvolvimento de Guilherme. “A universidade foi muito acolhedora desde o início, aberta para o diálogo. Ele nunca precisou de um atendimento especial e diferenciado em sala de aula, mas julgamos necessário deixar claro desde o início do curso que ele era portador da síndrome para evitar qualquer dificuldade”, ressalta Sandra.

Guilherme destaca que seus maiores desafios ao longo do curso foram o Trabalho de Conclusão e os laboratórios do Portal Beta Redação, no qual os alunos vivenciam um ambiente de redação diária. Essas atividades exigiram esforço e dedicação em dobro. “Pra mim os maiores desafios que tive nesses quatro anos e meio de faculdade foram o meu TCC, no qual pesquisei sobre jornalismo e ética nos blogs de opinião e manipulação política, e as notícias e reportagens para a Beta Redação, pois o fluxo era semanal”, destaca o formando.

O professor Felipe Boff, que foi orientador de Guilherme no TCC e é editor-chefe na Beta Redação, afirma que o estudante foi dedicado na pesquisa e teve o estudo plenamente aprovado em banca de avaliação. “Percebi dedicação e comprometimento muito grandes. Ele sempre foi muito aberto a sugestões, e eu acompanhei trecho a trecho da pesquisa dele. Foi muito bacana poder acompanhar o Guilherme nessa reta final de curso, pois eu dei aula para ele em disciplinas mais inicias e pude ver de perto a evolução dele”, disse.

Boff conta que, no início do curso, Guilherme era mais tímido, principalmente em atividades que demandavam saídas de campo. Com o passar do tempo, foi se abrindo mais e já chegava elaborando perguntas para todos os entrevistados, fazendo com que suas produções fluíssem muito bem. “A história do Guilherme é muito bonita. E tem algo nessa trajetória que me chama muito a atenção: a relação dele com os colegas, que abraçaram ele desde o início, prestando muito apoio. Essa conquista dele é também de todo o curso, que participou ativamente de toda a formação do Gui, e tenho certeza que isso foi muito importante para ele também”, ressalta o professor.

Experiências profissionais

O bom desempenho no curso e a dedicação de Guilherme lhe renderam uma oportunidade de estágio em Zero Hora, no programa Jovem Aprendiz. Foram oito meses dentro da redação de ZH sob a supervisão de Janaína Kalsing, jornalista editora de notícias do jornal. A profissional ressalta que teve uma grande surpresa no desempenho do estudante, que além de aprender muito durante o estágio também ensinou a equipe.

“Parecia, em um primeiro momento, que teria um enorme desafio pela frente. Principalmente, por não saber como lidar com uma pessoa com Síndrome de Asperger. Sabia que na minha rotina de trabalho teria de supervisionar o estágio de alguém com dificuldade de interagir, fazer amigos e tendência a se isolar. Era o que os artigos na internet informavam. Por outro lado, imaginava que auxiliaria um estudante com grande potencial intelectual. Li muito sobre a síndrome, tive suporte do RH da empresa e pensei: será uma grande oportunidade de aprender com este garoto. E assim foi. Coloquei-o para sentar ao meu lado na redação da Zero Hora e deixei o seu computador com todos os programas que os jornalistas utilizam na redação”, conta Janaína.

A jornalista lembra que a ideia era testá-lo para ver até onde poderiam ir em termos de cobrança. Em um primeiro momento, ele realizou trabalhos mais mecânicos, como conferência e execução de cruzadas e similares. Depois, ajudou na produção de notas para o jornal impresso. Mais além, colaborou na leitura de páginas, um importante processo que existe na redação. “A todas essas atividades, o Guilherme respondeu muito bem. Sempre foi dedicado, persistente, meticuloso e buscou interagir com a editoria, evitando o isolamento. Sinto que ele poderia ir além, quiçá apurando informações e afins, mas não tive tempo, até porque o estágio chegou ao fim”, ressalta.

Janaína conta que, com o passar do tempo, percebeu que a rotina era fundamental no dia a dia do Guilherme, pois isso parecia dar segurança a ele. Além disso, permitia que ele se concentrasse nas atividades. “Foi interessante o tratamento que, desde o início, tivemos com o Guilherme: ele era um par, igual a qualquer outra pessoa. E ele tem traços do que julgo ser um bom jornalista: sabe ouvir, é curioso, tem o hábito da leitura, pensamento crítico e fome de notícias. Ele conversava de igual para igual com repórteres e editores da redação. Pode parecer clichê, mas para quem conviveu mais intensamente com ele, a certeza que fica é que o Guilherme é um exemplo de superação”, conclui Janaína Kalsing.

Para Thaís Furtado, coordenadora do curso de Jornalismo da Unisinos Porto Alegre e professora de Guilherme em algumas disciplinas, o crescimento do jovem ao longo da graduação foi muito grande e o esforço dele para isso também. “Ele teve uma evolução muito grande no curso. A cada semestre foi ficando mais independente e enfrentando novos desafios. O afeto da turma com ele, especialmente os que entraram no curso na mesma época, sempre foi visível. Os professores também sempre foram sensíveis para exigir do Guilherme tudo que ele poderia fazer, sempre respeitando sua forma de ser. Ele foi um aluno aplicado, tanto que é o primeiro a fazer todo o curso no Jornalismo Porto Alegre e se formar”, frisa a coordenadora.

Com os preparativos para a cerimônia e para a festa de formatura em andamento, Guilherme ressalta que tem muito orgulho em poder dizer que terminou o curso e que foi na Unisinos POA. “Ser o primeiro aluno do curso de Jornalismo da Unisinos Porto Alegre a se formar é uma grande honra, porque eu me dediquei de corpo e alma a todos os trabalhos que me deram, e pude aproveitar cada segundo para fazer tudo o que me foi ensinado. Agora poderei começar uma nova jornada na minha vida e lutar por tudo que acredito e sonho conquistar”, conclui Guilherme.

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