Histórias do holocausto

Evento traz relato de sobreviventes

A necessidade de manter viva uma memória tão dolorosa como a do holocausto está na busca por eliminar a raiz que causou esse genocídio, e continua existindo: racismo e intolerância. Em 2015, faz 70 anos do fim do holocausto e mesmo tanto tempo depois as marcas do horror continuam presentes na narrativa de quem viveu esse período e sobreviveu a um dos piores crimes contra a humanidade.

Na manhã desta quinta-feira, 14 de maio, a Unisinos foi palco de um evento que deu voz a três sobreviventes do holocausto. O momento de reencontro com o passado foi organizando pelo Núcleo de Direitos Humanos (NDH) da universidade, junto com as instituições B’nai B’rith/RS e Marc Chagall e com apoio do Programa de Pós Graduação do Direito.

Os relatos de Johannes Melis, Curtis Stanton e Bernard Kats emocionaram os alunos que lotaram o auditório. Enquanto as histórias iam sendo narradas pelos sobreviventes a emoção tomava conta da plateia. Conheça um pouquinho da vida desses senhores que escolheram o Brasil como pátria.

Um bunker como casa

Johannes Melis é holandês e nasceu em 1938. Era muito pequeno quando tudo aconteceu, mas as experiências da época do nazismo marcaram para sempre sua história. Melis contou que o pai construiu vários esconderijos pela casa, pois a região que moravam era divisa com a Alemanha. No início, todos acharam seu pai louco por ter medo da invasão alemã, mas no final os esconderijos serviram muito.

“Lembro de um armário giratório, que era uma passagem secreta, de uma escada que ficava escondida dentro da parede e dava acesso ao sótão e de um esconderijo embaixo da pia”, relata. “Meu pai fazia parte de uma resistência que tentava ajudar as pessoas a fugir do nazismo chamada exército subterrâneo. A nossa casa era escura e a gente escondia muitas pessoas”, complementa.

A pior fase, segundo Melis foi quando tiveram que sair de casa para se esconder em um bunker próximo ao rio, onde moraram por algum tempo. Para sobreviverem levaram compotas e água. “Um certo dia meu pai saiu para buscar mais água e ouvimos tiros. Ele foi capturado pelos alemães e os soldados nos encontraram no bunker. Nos deixaram lá, porque não tínhamos para onde fugir e no dia seguinte íamos ser mandados para os campos de concentração, no entanto meu pai saiu novamente foi até a nossa casa e encontrou soldados ingleses que ajudaram”, relembra. Isso ocorreu quando a guerra já estava acabando. “Depois da guerra imigramos para o Brasil”, finaliza.

Dos guetos aos campos de concentração

Curtis Stanton é judeu alemão e nasceu em 1929. Sua história é surpreendente por sua força e coragem. Ele contou que os primeiros anos de sua vida foram normais e felizes. Quando tinha 8 anos seus irmãos foram para Inglaterra estudar e ele ficou sozinho com os pais. Foi quando sua vida começou a mudar. “Primeiro fomos obrigados a usar um uniforme com uma estrela amarela escrito jüdisch, judeu em alemão”, lembra.

Dia a dia as coisas pioravam na Alemanha e não demorou até que a família de Stanton recebesse uma ordem para se apresentar. Como eram muito corretos e não queriam desobedecer a política foram ao local exigido. “Fomos colocados em vagões de gado, em torno de 80 viajantes por vagão, sem água, comida ou local para fazermos nossas necessidades. Vijamos por dois dias até um gueto na Polônia, todo cercado por arame-farpado e cheio de guardas”, relembra.

Em 1943, uma nova viagem, outra vez nos vagões de gado, até chegarmos numa plataforma muito iluminada com guardas com cachorros e símbolos da suástica. Lá haviam duas filas, uma para direita e outra para esquerda. Eu fui para direita, minha mãe foi para esquerda. Foi a última vez que a vi”, conta.

Stanton explica que existiam dois tipos de campos, os de concentração e os de extermínio. “No de concentração havia trabalho escravo, no de extermínio era a morte. Na época eu não sabia, mas era isso que cada fila significava, eu tinha catorze anos”, relata. “Meu trabalho era classificar as roupas de quem era morto, era bom porque pelo menos eu tinha sapatos e roupas para o inverno”, complementa.

Com o final da guerra Stanton foi para França onde fez contato para reencontrar os irmãos. “O mais difícil foi voltar para vida normal depois de 4 anos com uma única ideia: sobrevier”, relembra. Em 1955, ele viajou a primeira vez para América do Sul e três anos depois veio morar em Brasil. “Construí minha vida em Porto Alegre, onde estou até hoje”, conclui.

Escondido de casa em casa

Bernard Kats é judeu holandês e nasceu em 1936. “Em 10 de maio de 1940, aniversário da minha irmã, a Holanda foi invadida pela Alemanha. Uma tropa de soldados marchava pela cidade e passaram por cima de um rapaz de bicicleta que não deu espaço. Quando passaram, a bicicleta estava toda quebrada e o rapaz não vimos mais. Essa é uma memória que nunca me abandona”, frisa.

Kats relembra que seu pai foi chamado junto com um grupo de pessoas para se apresentar à polícia e foi mandado para um campo de concentração na Áustria. “15 dias depois, que meu pai saiu de casa a cruz vermelha nos avisou que ele estava morto. Eu tinha cinco anos, quando meu pai foi assassinado aos 41”, relembra.

Desse dia em diante, Kats e sua mãe viveram de cidade em cidade fugindo dos nazistas. “Ficamos abrigados por uma família, mas não podíamos pegar ar pelo perigo de ser visto, lembro que sentia falta do sol, de brincar no jardim”, conta.

Em abril de 1945, com o final da guerra já próximo, Kats e sua mãe voltaram para casa. Havia muito estrago e muito sangue, segundo seu relato, mas aos poucos tudo foi se ajeitando, no entanto as marcas daquela época ficaram para sempre.

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