Dois lares

Professora de francês no Unilínguas, Luciana Cavalheiro sente tanto carinho pelo Brasil quanto pelo país de origem do idioma que ensina

Luciana Cavalheiro tem um pé no Brasil e outro na França. Desde 1995, quando conheceu a nação europeia, é lá que encontra seu segundo lar, e é para lá que sempre pensa em retornar. Morar de vez no país, porém, está fora de cogitação.

“Tenho uma relação familiar muito forte aqui”, conta. Por isso é aqui mesmo, entre os brasileiros, que ela realmente estabelece seus vínculos. Um deles é o cargo de professora de francês do Unilínguas, que ocupa há mais de uma década. Luciana estudou Letras lá fora, mas acumula ainda outras graduações, como Administração e Comércio Exterior. No fim das contas, a mudança de uma área a outra só fez bem: “Foi um desvio, mas estou super feliz com o que faço”.

Cativada por aquilo que leciona, a professora afirma: “Não dá para separar cultura de idioma”. Ela acredita que aprender línguas contribui com o repertório de conhecimentos gerais de seus alunos hoje, assim como contribuiu para ela durante o tempo em que esteve estudando no exterior. São essas experiências de vida que Luciana compartilha conosco na entrevista a seguir.

Qual sua relação com a França?

Luciana – Fiz minha primeira graduação no país, morei lá de 1995 a dezembro de 1999, quase cinco anos.

Conte-nos um pouquinho da tua história

Luciana – Fui para a França com a intenção de estudar. Entrei para a Administração, que era o que eu fazia no Brasil, para tentar dar continuidade aos estudos daqui, mas não gostei do curso e acabei indo para Letras, com o objetivo de aprender bem o francês pelo período que ficaria lá. Até então, sempre dizia que não pensava em ser professora (risos). Lá, fiz um curso de francês com metodologia de língua estrangeira. Quando voltei para cá, em 2000, já havia dois alunos particulares esperando para ter aula e eu comecei a trabalhar no Unilínguas. A partir disso minha relação com a França ficou muito forte, ela virou um segundo país para mim.

Depois dessa primeira vez no país, quantas vezes você voltou para lá?

Luciana – Voltei em 2002, depois em 2006 e ano passado, mas a vontade é de ir pelo menos duas vezes por ano.

Sempre a passeio?

Luciana – Não, nem sempre. Na primeira e na última vez sim, mas em 2006 fui para fazer um curso de formação de professores. Ano passado também viajei a Quebec, no Canadá, com a ideia de conhecer o francês fora da França.

A escolha pela França foi por acaso?

Luciana – Sim, totalmente. É uma história engraçada, inclusive, porque eu não gostava muito de língua estrangeira, simplesmente não me interessava. E foi meio por acaso que isso ocorreu na minha vida. Como fui morar na França, eu disse “vou aprender a falar direito”, mas era tudo com a ideia de aprender o idioma mesmo, não necessariamente lecionar. Depois, quando cheguei ao Brasil, até voltei para a área de Comércio Exterior, para juntar meus estudos anteriores com línguas. E daí aconteceu de começar a dar aulas e no fim me realizei, saí para esse outro campo bem feliz.

“ Os franceses, entre os europeus, são mais ‘soltos’; não acho que eles sejam frios, como a gente costuma comparar. São mais desenvoltos, próximos de nós daqui do sul.”

Luciana Cavalheiro, professora do Unilínguas

Então você fazia Administração aqui, foi para a França para seguir nessa área, aí mudou para Letras e, quando voltou, entrou para Comércio Exterior, é isso?

Luciana – Sim, eu tentei voltar para a área de Administração e aí unir com idiomas. O meu diploma de lá não era reconhecido aqui para o mestrado, então pensei em terminar a graduação naquilo que eu fazia. Quando estava quase no fim de Comércio Exterior, minha chefe atual se deu conta de que eu precisava seguir com línguas, e me cobrou isso, aí eu fiz todo o curso de Letras-Português para entrar na pós. Foi um desvio, mas estou super feliz com o que faço.

E quanto à cultura francesa, o que você destaca?

Luciana – É uma sociedade muito à frente, em vários aspectos, principalmente na questão da responsabilidade civil e do respeito à individualidade. O povo tem consciência, intelectualidade e autoconhecimento, desmistifica as coisas e tem bastante a nos ensinar em termos culturais e de comportamento. É uma consciência social aprimorada.

Qual a maior diferença entre os dois países?

Luciana – Essa noção de respeito ao ser humano, que parece ser mais desenvolvida lá do que aqui. Até porque a França é uma sociedade mais antiga, então isso é normal, ela pode nos ensinar.

E semelhança?

Luciana – Os franceses, entre os europeus, são mais “soltos”; não acho que eles sejam frios, como a gente costuma comparar. São mais desenvoltos, próximos de nós daqui do sul. A nossa adaptação lá é até mais fácil por causa disso, em termos de clima também.

Como foi a sua adaptação no país? Você teve alguma dificuldade?

Luciana – No primeiro ano tive dificuldade. Na verdade, fui para a França bem nova, com apenas 24 anos, e deixei minha família aqui. Isso numa época em que a internet não era como é hoje, então o contato acontecia só uma vez por semana, pelo telefone, e custava caro. Foi bem complicado sair da casa dos pais e ir para um lugar desconhecido. Além disso, era todo um evento viajar para lá ou vir para o Brasil. As coisas eram mais difíceis; a questão linguística também.

Depois melhorou?

Luciana – Sim, eu aprendi a gostar muito de tudo e fiz amigos. Com os franceses, quando se tem uma amizade, pode-se realmente contar com ela. Um amigo francês é alguém que vai te ajudar e que também vai querer ser ajudado. E outra coisa muito legal no país é a diversidade de povos. Até hoje me comunico com colegas de Taiwan, da Indonésia, da Índia, e é muito interessante isso de ver de perto não só a cultura francesa, mas a de outras nações também.

Você tinha algum conhecido quando foi morar no país?

Luciana – Naquela época, havia uma comunidade de doutorandos brasileiros, de Porto Alegre, que morava na mesma cidade que eu, e também havia algumas pessoas conhecidas na Alemanha, Itália, Suíça, Inglaterra, então a gente se visitava.

Sente falta de algo da França?

Luciana – Sinto muita falta da gastronomia, dos queijos, vinhos e pães. A qualidade das frutas e legumes, então. Mesmo se a gente tivesse todos os ingredientes aqui, manter uma alimentação como a de lá seria muito caro. Quando volto para França, minha preocupação é matar essa saudade (risos).

E quando você estava na França, havia algo do Brasil que fazia falta?

Luciana – Sim, eu tinha saudade de pão de queijo, feijão e arroz. Se quisesse cozinhar feijão, por exemplo, tinha de ir a uma loja de produtos africanos para comprar um feijão que não é o mesmo daqui, que é outra coisa. Chimarrão também, quando a gente conseguia encontrar era sempre erva argentina, bem mais forte do que a nossa.

Quanto ao idioma, qual o público alvo do francês no Unilínguas hoje?

Luciana – Nesses 13 anos que trabalho no Unilínguas eu vi o público mudar muito. Nós tínhamos alunos mais velhos, da geração que estudava francês na escola e que procurava o idioma na aposentadoria para retomar o aprendizado. Hoje, temos pouquíssimas pessoas dessa fase. Agora o público está cada vez mais jovem, com crianças, inclusive, tentando se preparar para a mobilidade acadêmica.

Há alguma particularidade do idioma pela qual os alunos mostram mais interesse?

Luciana – O francês é uma língua muito sedutora. Os alunos que procuram o curso acham o idioma muito bonito, gostam da pronúncia, do apelo sonoro. Ao mesmo tempo, a questão fonética é um complicador, porque existe uma distância enorme entre escrita e fonética. Isso assusta no começo, mas é superado, pois o francês tem uma fonética linear, que logo se entende a lógica e tende a funcionar, com resultados rápidos. É uma língua fácil de ser ensinada porque as pessoas apreciam.

E quais aspectos da cultura do país você acha importante para aprender o francês?

Luciana – Acho que língua é um todo, a gente não pode só falar de gramática ou fonética, tem uma questão cultural que vem junto. Não dá para separar cultura de idioma. E no francês isso fica muito rico, porque tem uma vasta diversidade que podemos abordar. Eu, por exemplo, vivo muito mais no mundo do francês do que do português. Quando não estou em sala de aula, estou escutando música francesa, ou vendo filmes francês, sempre preparando aula, buscando algo para compartilhar com os alunos. Minha vida gira muito em torno disso.

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