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Pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada aborda a formação continuada de professores de Língua Portuguesa

Crédito: Getty Images

A formação continuada de professores de Língua Portuguesa é um tema que os docentes Ana Maria Guimarães e Anderson Carnin têm trabalhado, desde 2010. Os estudos têm avançado numa interlocução entre os pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Unisinos e a Rede Municipal de Educação de Novo Hamburgo. Em 2018, cerca de 50 professores vinculados ao município estão participando de um momento de formação. No segundo semestre, os pesquisadores irão analisar dados para entender as possíveis mudanças no ensino da língua materna potencializadas pela formação continuada e pelo desenvolvimento profissional dos professores. A intenção é mostrar que a profissão não é um “dom”, como muitos imaginam, mas necessita formação constante, o que traz um resultado positivo na aprendizagem dos alunos.

A parceria entre a Universidade e o município vem de longe. Em 2014, ao finalizarem um projeto sobre a formação continuada cooperativa e o desenvolvimento de práticas educativas inovadoras, muitas outras questões continuaram exigindo respostas. Uma delas diz respeito ao desenvolvimento profissional do professor e sua relação com documentos oficiais como a recém-homologada Base Nacional Comum Curricular. “Nesse sentido, entendemos que seria importante oportunizar, novamente, uma formação continuada aos professores de Língua Portuguesa, mas com foco no trabalho coletivo, a partir do que temos chamado de ‘comunidades de desenvolvimento profissional’. Esse é um conceito já explorado por pesquisadores portugueses (e suíços), com quem vimos mantendo contato, num processo de cooperação acadêmica internacional”, explica Ana.

O objetivo de pesquisar sobre esse tema reside na possibilidade de entender mais amplamente como professores já formados pela universidade, e em atuação na Educação Básica, podem continuar aprendendo. “De nossa parte, a grande inovação que propomos é o trabalho a partir do que chamamos de ‘projetos didáticos de gênero’, um dispositivo didático que foi construído a partir dessa experiência de pesquisa e de formação continuada e que tem se mostrado de grande valia em práticas de ensino de Língua Portuguesa”, destaca Anderson.

Para entender como a pesquisa vem sendo desenvolvida, confira abaixo a entrevista dos professores na íntegra. E para saber mais sobre o Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada acesse o site. O processo seletivo está com inscrições abertas.

Como o ensino da língua materna interfere no trabalho do professor de Língua Portuguesa?

O trabalho do professor de Língua Portuguesa é, justamente, ensinar a língua materna. Nesse sentido, vale destacar que a compreensão de que o professor, ao entrar em sala de aula (e para além dela!), exerce uma profissão, um trabalho para a qual continuamente se prepara, desenvolve propostas de ensino, evidencia capacidades, motivos e intenções para seu agir, e não uma vocação ou um “dom”, como costumeiramente entendemos a profissão docente, vemos uma interessante mudança de perspectiva na compreensão do que de fato caracteriza a docência. Mais especificamente, no que diz respeito ao ensino de língua materna, vivemos um período muito interessante, já que a publicação da Base Nacional Comum Curricular – BNCC – (BRASIL, 2017) volta a colocar em cena uma discussão necessária sobre a “atualização” do currículo de Língua Portuguesa (entre outras disciplinas escolares) e sobre a formação de professores para a operacionalização desse currículo em práticas de ensino. Ou seja, trata-se de mais uma “prescrição” ao trabalho do professor, com a qual ele começa a ter de lidar para que possa operacionalizar um ensino mais alinhado às concepções presentes no documento oficial – e mesmo que faça uma leitura mais crítica delas, que perceba tudo aquilo que já faz, tudo aquilo que ainda pode fazer, tudo aquilo de que discorda, concorda, enfim, que entenda que esse instrumento tem relação mais ou menos direta com suas práticas de ensino. De nossa parte, temos investido fortemente em atividades que promovam uma apropriação, por parte do professor, do que chamamos de “conceitos reguladores” presentes na BNCC. Um deles, por exemplo, é o conceito de gêneros de texto/discurso, que tratamos a partir da produção de materiais didáticos produzidos pelos próprios professores, pensando no desenvolvimento dos múltiplos letramentos de seus alunos.

Como o projeto é capaz de mudar o cenário de ensino, qual seu impacto no trabalho do professor?

Não temos a ambição de “mudar o cenário de ensino”, porque essa seria uma tarefa para muitas gerações! Talvez, mais modestamente, possamos pensar em contribuir para uma mudança no cenário de ensino de língua materna em escolas da Rede Municipal de Ensino como temos trabalhado em parceria. E isso, claro, a partir do trabalho do professor, que é o principal protagonista dessa mudança. Toda e qualquer mudança no cenário de ensino passa pelo professor. É ele quem constrói, em sala de aula, em conjunto com seus alunos, a mudança, quando escolhe textos autênticos para leitura e promove a interlocução entre texto e leitor, quando desenvolve práticas de ensino de escrita que se voltem à interação social, quando trabalha com propostas didáticas que possam ser mais significativas, inclusivas, que promovam diferentes letramentos em sala de aula, entre tantas outras possibilidades. Nosso papel, como universidade, é apoiar esse professor também nessa tarefa, pois, muitas vezes, a sala de aula, a docência, exigem muito mais do que a formação inicial pode dar ao professor. A partir daí é que realizamos nossas pesquisas, desenvolvendo novas metodologias de ensino, refletindo sobre elas, sobre os impactos que elas têm tanto na aprendizagem dos alunos quanto no trabalho de ensino do professor. Sobre esse último, vale a pena ressaltar que o trabalho do professor é bastante complexo, multifacetado, pois envolvendo tanto a relação do professor com seus alunos, quanto com os conhecimentos científicos, com a legislação, com a comunidade escolar, com as expectativas dos familiares… E não temos respostas suficientes, em termos de pesquisa, ainda, sobre como auxiliar o professor a se desenvolver profissionalmente tendo em vista esses múltiplos aspectos que constituem sua profissão, seu trabalho. Nesse sentido, ao pesquisarmos sobre isso, ao construirmos conhecimento teórico e aplicado, poderemos ampliar o escopo de práticas formativas, de práticas de ensino, que possam ser mais ajustadas ao cenário de ensino que cada professor encontra quando abre a porta de sua sala de aula. Temos investido nessa direção, procurando auxiliar o professor a se desenvolver profissionalmente, seja pela apropriação/construção de novos saberes sobre ensinar e para ensinar Língua Portuguesa, seja pela compreensão mais alargada de tudo que constitui o trabalho docente. O impacto disso no trabalho do professor pode ir além do que conseguimos observar até o momento, mas valeria destacar desde já a percepção de uma “tomada de consciência” dos professores sobre a importância de que suas escolhas em sala de aula sejam sempre guiadas por finalidades claras, bem delineadas, com objetivos específicos, indo além do que prescrições externas costumam fazer. Além disso, temos observado uma ampliação nas capacidades e alguma mudança nas motivações dos professores, o que certamente impacta em seu trabalho de ensino.

Ao comparar o projeto com a formação ocorrida em Portugal, quais as principais diferenças e quais as semelhanças?

Ainda estamos vivendo nossa formação, aqui na Unisinos, de modo que essa comparação é apenas preliminar e muito focada na organização de cada proposta. Contudo, uma comparação rápida nos permite evidenciar algumas particularidades em nossa proposta, especialmente diante do cenário educacional brasileiro e do apoio a projetos desse tipo por órgãos de fomento. No cenário português, esse foi um projeto de maior duração, com uma estrutura organizacional mais complexa e mais recursos humanos e financeiros, dado que a formação era feita nas escolas participantes. Aqui, como temos que nos ajustar a uma demanda mais complexa e diversa, atendemos os professores de diferentes escolas na universidade mesmo. Seria inviável para nós termos formadores atuando em todas as escolas que participam de nossa formação, como foi feito na experiência portuguesa. As semelhanças, por outro lado, são muitas. A principal delas é termos colocado os professores como protagonistas da formação, com voz e vez para participar dela e ajudarmos a construímos a proposta. Os professores não são meros cursistas, que vêm à universidade buscar atualização de seus saberes. Eles atuam conosco e ajudam a construir esses saberes. Além disso, outra semelhança é a preocupação com a construção de propostas de ensino de língua materna que considerem que práticas de leitura e escrita são sempre socialmente situadas e ocorrem a partir de gêneros diversos. A didatização desses gêneros, a partir de dispositivos didáticos criados para cada contexto de ensino (em Portugal, as “sequências de ensino”, aqui, os “projetos didáticos de gênero”) é outra semelhança que temos percebido como fundamental em ambas as experiências. Além disso, as duas propostas compartilham um mesmo quadro teórico de base (o Interacionismo Sociodiscursivo) e a compreensão de que o desenvolvimento profissional de professores é um processo longo, contínuo, marcado por sobressaltos, rupturas, mas que ele é que nos permite observar uma mudança efetiva nas salas de aula e nas práticas de ensino de língua materna.

Como surgiu a ideia de ofertar um curso gratuito de formação continuada (extensão), aos professores da Rede Municipal de Educação de Novo Hamburgo?

Se pensarmos que o tripé que sustenta uma universidade é a relação entre ensino, pesquisa e extensão, parece incontornável que essa pesquisa com professores passasse pela oferta de um curso de formação continuada (extensão). É a forma mais propícia de diálogo que nossa área tem com os profissionais que ela forma. Além disso, desde 2010, temos uma relação muito próxima com a Rede Municipal de Educação de Novo Hamburgo, que tem se mostrado uma grande parceira em projetos de pesquisa que se voltam à formação continuada de professores. Naquela época, fomos procurados pela assessoria pedagógica da rede, que estava interessada em ofertar aos seus professores algumas palestras sobre temas mais atuais da Linguística e da Linguística Aplicada, especialmente questões ligadas ao uso social da linguagem. Como somos professores e pesquisadores inseridos em uma linha de pesquisa que se dedica à “Linguagem e Práticas Escolares”, vimos aí a oportunidade de uma colaboração que levasse em conta tanto as necessidades reais dos professores e da Rede Municipal de Educação, quanto do desenvolvimento de uma pesquisa aplicada, com foco nos processos de ensino de língua materna e de formação de professores. Dessa parceria é que surgiu a ideia de ofertar diferentes cursos de formação continuada (esse já é o sexto curso que oferecemos!), de modo a garantir que seja, de fato, uma formação continuada, que tenhamos sempre um diálogo muito próximo e produtivo entre universidade e escola.

O que esse curso trouxe de novo para os professores que participaram?

O curso “Ensino de Língua Materna e Projetos Didáticos de Gênero nos Anos Finais do Ensino Fundamental”, que decorre do projeto de pesquisa “Formação Continuada e Comunidades de Desenvolvimento Profissional: aproximações teórico-práticas” (CNPq) ainda está em andamento, como mencionamos anteriormente. Ele vai de março a outubro deste ano, totalizando 80h de formação. Assim, a resposta a essa pergunta é apenas parcial. Em linhas gerais, podemos afirmar que o curso procura desenvolver, em conjunto com os professores participantes, uma compreensão mais ampliada sobre o trabalho de ensino com leitura, escrita, análise linguística e oralidade a partir de “projetos didáticos de gênero”, relacionando isso ao que a Base Nacional Comum Curricular prescreve ao professor em relação a esses eixos de ensino. Como a proposta didática de “projetos didáticos de gênero” foi construída aqui na Unisinos, em decorrência da parceria com a Rede Municipal de Educação de Novo Hamburgo, podemos afirmar que essa é a grande novidade do curso, já que esse dispositivo didático é bastante recente (data de meados de 2011) e ainda está em processo de refinamento teórico e metodológico. Muitos dos professores que participam da formação ainda não tiveram contato com essa proposta didática. Além disso, destacamos que o próprio contato de professores em atuação na Educação Básica com pesquisadores da Unisinos (de distintos níveis) é também uma novidade. A universidade e a pesquisa deixam de ser distantes e passam a integrar, em alguma medida, a rotina desses professores. Esse é um diálogo enriquecedor para ambas as partes.

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