No Fronteiras do Pensamento, Douglas Rushkoff analisa os impactos da tecnologia  

Considerado pelo MIT um dos dez intelectuais mais influentes do mundo, o pesquisador norte-americano falou sobre como humanizar a cultura digital

Crédito: Luiz Munhoz

Na noite desta quarta-feira (13/9), ocorreu a quinta conferência da edição deste ano do Fronteiras do Pensamento, no Teatro Unisinos, no campus de Porto Alegre. O convidado foi o escritor Douglas Rushkoff, uma das vozes mais importantes da atualidade na aplicação da mídia digital para a justiça social e econômica, que convidou a plateia a pensar em modos de reconstruir o mundo juntos. A mediação e a apresentação ficaram por conta do professor Gustavo Borda, que escreveu a apresentação do livro mais recente de Rushkoff, Equipe Humana, ao lado de Marcos Piangers. 

  
Rushkoff atua como pesquisador do Institute for the Future e fundou o Laboratory for Digital Humanism na Queens College/CUNY, em Nova York, onde é professor de Teoria da Mídia e Economia Digital. Além disso, ele também é um teórico da mídia, autor e documentarista. Os seus estudos são dedicados à questão da autonomia humana na era digital, explorando como diferentes ambientes tecnológicos mudam nossa relação com o dinheiro, o poder e uns com os outros. 

Entre os seus 20 livros já escritos, estão inclusos o recém-publicado Survival of the Richest: Escape Fantasies of the Tech Billionaires, bem como o Team Human, que é baseado em seu podcast, e os bestsellers Present Shock, Throwing Rocks at the Google Bus, Program or Be Programmed, Life Inc e Media Virus.  

Uma dominatrix intelectual 

Foi assim que Rushkoff se sentiu ao se sentar, certa vez, com os cinco homens mais ricos que ele já tinha visto. Ele conta que preparou o seu discurso de dominatrix: “Seria a minha visão marxista-anarquista da economia circular e tudo mais para falar com esse grupo de banqueiros”, disse. Mas, ao chegar lá, percebeu que aqueles senhores não queriam ouvir a sua palestra, e sim fazer perguntas sobre o futuro. “Eram perguntas muito binárias, como onde eles deveriam investir, em Bitcoin ou Ethereum? Realidade virtual ou a realidade aumentada?”, lembra Rushkoff. Segundo o professor, eles tinham até planos para criarem seus abrigos para o apocalipse: “Qual lugar seria melhor após as mudanças climáticas, Alasca ou Nova Zelândia?”. 

Então, o autor resolveu misturar a sua fala sobre ‘dominatrix’ com a tentativa de trazê-los para realidade, perguntando: “Como vocês vão proteger o bunker de nós, o resto de nós, todas as outras pessoas?”. Rushkoff explicou que a única maneira de o bunker ficar seguro seria mantendo a suas equipes. “As pessoas não te saquearão se elas forem seus amigos, se você estiver integrado com elas. No final das contas, vocês não podem se proteger de nós, da realidade.” 

Rushkoff disse que esse encontro o fez perceber como esses homens, apesar de serem bilionários, se sentiam completamente impotentes para influenciar o futuro, que a melhor coisa que eles achavam que podiam fazer era se preparar para o inevitável apocalipse. “Eu era um cyberpunk dos primeiros dias da internet, no início dos anos 1990. Pensávamos que a internet liberaria o potencial incontrolado da imaginação humana coletiva, pensávamos que a ela seria como a neurologia, como se estivéssemos construindo um sistema nervoso para o planeta. Então, acordarmos para o fato de que todos estamos conectados. Mas, na verdade, não precisamos da internet para interagir, colaborar e conhecer os pensamentos uns dos outros”, observa o pesquisador. 

Para o mediador Gustavo Borba e a plateia, Rushkoff afirmou que não precisamos da internet para interagir, colaborar e conhecer os pensamentos uns dos outros (Crédito: Luiz Munhoz)

“As máquinas começaram a usar as pessoas” 

O autor comentou sobre o lançamento, em 1993, da revista Wired. Na época, muitas pessoas pensavam que a internet não era realmente sobre a possibilidade de hippies estarem conectando um cérebro global, mas sim uma maneira de aumentar a área de superfície no mercado. “Não tínhamos mais planeta para expandir, mas, com a internet, tínhamos um espaço infinito. Poderíamos continuar para sempre. A revista até fez uma reportagem de capa chamada “The Long Boom” (O longo boom), e essa teoria dizia que, graças à internet, a economia poderia crescer exponencialmente, sem interrupções, globalmente para sempre”, conta. 

Mas, segundo Rushkoff, isso não é a realidade, pois nós invertemos a dinâmica da tecnologia: de uma ferramenta que foi feita para as pessoas para uma ferramenta que usamos nas pessoas. “Quando você transforma algo, como a internet, em uma aposta de sucesso financeiro, em vez de possibilidades de explosão cultural, algo mais acontece. “Em vez de a internet ser sobre o que poderia acontecer, a internet passou a ser sobre o que deve acontecer. Como aumentamos as chances de que nossa aposta se torne realidade? Portanto, em vez da internet ser uma ferramenta para as pessoas experimentarem coisas novas, usamos a internet nas pessoas para que elas façam as coisas que atendem ao mercado”, ressaltou.  

Ele disse ainda que, enquanto culpava o dinheiro e contava essa história para o mundo e para ele mesmo, sobre o que aconteceu com a internet e de como ela se tornou sombria, percebeu depois de falar com esses homens ricos que não se trata apenas do dinheiro. Mas que também há um viés na própria tecnologia em relação a isso. 

“Em vez da internet ser uma ferramenta para as pessoas experimentarem coisas novas, usamos a internet nas pessoas para que elas façam as coisas que atendem ao mercado”, disse Rushkoff (Crédito: Luiz Munhoz)

Se tornar “meta” 

Rushkoff contou sobre a vez que estava com Timothy Leary, uma grande lenda da contracultura psicodélica dos anos 1960, segundo o professor, quando ele estava lendo um dos primeiros livros sobre tecnologia digital, chamado The Media Lab, de Stuart Brand, que falava sobre o Laboratório de Mídia Digital de Nicholas Negroponte no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), e disse: “Os rapazes do MIT estão tentando construir um útero digital para si mesmos, onde computadores e robôs saberão o que eles querem antes que eles próprios saibam e trarão para eles, para que não tenham que lidar com a complexidade confusa da realidade”.  

Rushkoff disse acreditar que é isso que esses bilionários com quem se encontrou realmente pensavam. “Eles não estavam construindo seus bunkers e suas fugas por causa das mudanças climáticas ou do evento iminente. Isso é a desculpa para eles fazerem o que já queriam fazer, que é ter essa bela casa de férias paradisíaca longe do resto de nós. Mas isso não é um pesadelo para eles, e sim um objetivo, é o sonho de ir ‘meta’, de deixar a matéria para trás e existir como algo puro. Seja lá o que isso for”. O professor citou, como exemplos, Elon Musk, que quer chegar a Marte, e Peter Thiel, cofundador do PayPal. “Você sabe o que ele quer? No seu livro chamado de Zero para um, diz que todo mundo está aqui em zero, mas se você quiser ser bem-sucedido, precisa estar uma ordem de magnitude acima dessas pessoas, dez vezes mais do que elas.” 

De acordo com o palestrante, isso é ir “meta”: é quando a tecnologia digital, o capitalismo e as finanças se conectam e se apoiam mutuamente da mesma forma. “A tecnologia digital permite que você faça derivativos de derivativos. A Bolsa de Derivativos em uma economia digital se torna tão grande e poderosa que, em 2013, comprou a Bolsa de Valores de Nova York. Pense no que isso significa. A Bolsa de Derivativos engoliu sua própria abstração. Essa é a mentalidade digital. É subir, não estar aqui embaixo, no chão, com as pessoas”, destacou. 

Rushkoff lamentou: “A mentalidade digital é subir, não estar aqui embaixo, no chão, com as pessoas” (Crédito: Luiz Munhoz)

Team Human 

Rushkoff disse que quanto mais pensava sobre a equipe humana, mais gostava da ideia de a humanidade ser uma equipe. “Porque os libertários e os tecnólogos estão nos dizendo que a evolução é sobre a sobrevivência do indivíduo mais apto. Mas se você realmente lê Darwin, isso não é o que ele está dizendo. Há um ou dois parágrafos sobre a sobrevivência do indivíduo mais apto. A maioria do seu trabalho é sobre admirar a forma como as espécies cooperam e colaboram para garantir sua sobrevivência mútua”.   

O autor terminou sua participação no Fronteiras do Pensamento explicando o “objetivo do jogo”. Segundo Rushkoff, quantificar a realidade para a tecnologia ou para o mercado nos desconecta da própria vida. “O que estou dizendo é não sintonizar automaticamente a humanidade, isso nega a alma, isso inverte o sinal e o ruído. Mas o objetivo do jogo é se conectar uns com os outros agora como seres humanos. E quando você faz isso, pode se conectar com seres humanos ao longo do tempo, pode se conectar com o passado e com o futuro. Você não precisa escapar para lugar algum, porque aqui se torna em todos os lugares”, destacou.  

Fronteiras vai até outubro 

Essa foi a quinta conferência do evento, que está sendo realizado presencialmente no campus de Porto Alegre da Unisinos. O Notícias Unisinos esteve presente em todos os encontros até agora, que contaram com a jornalista espanhola Rosa Montero, com a vencedora do Prêmio Nobel da Paz Nadia Murad, com o neurocientista espanhol Rafael Yuste e com o filósofo norte-americano Michael Sandel. Para encerrar a temporada, o Fronteiras receberá, no dia 4 de outubro, o arqueólogo britânico David Wengrow

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