Documentário “Dopinha” é reconhecido no Prêmio de Direitos Humanos de Jornalismo

Trabalho acadêmico aborda o impacto do golpe militar de 1964 em Porto Alegre

De fora, uma casa normal. Do lado de dentro, não se podia dizer o mesmo. Quem passava em frente ao casarão da rua Santo Antônio, no bairro Bom Fim, em Porto Alegre, nos anos subsequentes à queda do governo de João Goulart, nem imaginava o que seria o “Dopinha”. Diminutivo de Dops — sigla para Departamento de Ordem Política e Social —, se consolidou como um espaço clandestino de repressão e torturas vinculado ao governo militar totalitário que vigorou por 21 anos no Brasil.

Os porões da Ditadura Militar reservam muitos mistérios que não foram revelados. Desde 1985, fatos sobre o período vêm à tona. Num ano emblemático, em que o Golpe completa 50 anos, os alunos de Jornalismo da Unisinos resolveram resgatar a história do casarão no documentário “Dopinha”, trazendo, por meio da memória de pessoas que presenciaram o período e estudiosos, os motivos e impactos do Golpe Militar de 1964. O filme recebeu terceiro lugar na categoria trabalho acadêmico no Prêmio de Direitos Humanos em Jornalismo, em cerimônia no auditório da OAB/RS, nessa quarta-feira, 10 de dezembro – data que se comemora o Dia Mundial dos Direitos Humanos.

”Se alguém ainda defende a ditadura, é porque foi mal ensinado na escola.”

Flávia Seligman, professora da Unisinos

“Dopinha” foi roteirizado e dirigido pelos futuros jornalistas Luiz Paulo Teló e Juliana Borba e com produção dos colegas Bethina Baumgratz, Jacson Dantas, Leonardo Vieceli, Luciana Marques, sob orientação da professora Flávia Seligman, na disciplina de Projeto Experimental em Televisão. Juliana conta que tudo começou na aula de Projeto Experimental em Rádio. Ela tinha interesse em realizar um trabalho sobre a Ditadura Militar, então o professor Sérgio Endler sugeriu o Dopinha. Na ocasião, não veio a realizar-se, mas Juliana resgatou a proposta mais tarde, em Projeto Experimental em Televisão, e o grupo acatou na hora. “Eu me surpreendi como, em pleno 2014, existe ainda muita desinformação sobre os casos”. Para ela, os acadêmicos tem a incumbência de trabalhar assuntos ocultos de forma mais aprofundada. “Esse trabalho serve também de incentivo a outros resgates históricos”.

Luiz Paulo salienta que o documentário foi realizado em três externas, que a parte mais trabalhosa foi o levantamento das fontes, a negociação com os proprietários da casa, filhos dos antigos donos, para filmagens internas e a edição de todo o material, que ficou muito mais extenso do que o exigido pela disciplina – 15 minutos. Eles finalizaram aos 48. “Fomos férias de julho à dentro, indo todos os dias à noite para a Unisinos para conseguir terminar o filme. Coletamos um material muito rico, e nunca tínhamos roteirizado algo tão grande, e voltado para a linguagem do cinema, quando o jornalismo é mais o nosso chão”. A professora Flávia Seligman, quem acompanhou todo o processo de produção do documentário, revela que o desafio ultrapassado pelo grupo na exploração do viés cinematográfico foi complementado pelo espírito investigativo do jornalismo. “O mérito é todo deles. A minha participação foi acreditar no trabalho e deixar que eles fizessem todo o resto. Tenho muito orgulho desse documentário”.

Para ela, estudiosa da cinematografia brasileira, abordar a Ditadura Militar é fundamental para que se entenda a história do país. “O cinema é o retrato da sociedade em que ele vive. E responsável por registar essa sociedade e passá-la adiante”. Defensora ferrenha de Direitos Humanos e contrária às atrocidades realizadas no período ditatorial, ela frisa: “Podemos ver na imprensa pessoas elogiando a ditadura militar e pedindo a sua volta. Se alguém ainda defende a ditadura, é porque foi mal ensinado na escola. Falta estudo, falta história, falta explicação. Temos de abrir os porões, mostrar documentos, julgar e condenar. Em outros países isso já foi feito, menos aqui, onde os torturadores estão pelas ruas”.

Mesmo após quase 30 anos do término da Ditadura, é um assunto que não perde sua atualidade e que necessita debate. A entrega do relatório final da Comissão Nacional da Verdade sobre as violações aos direitos humanos durante a ditadura civil-militar, ocorrida nessa semana, foi um episódio histórico relacionado aos anos de chumbo. O documento apresenta investigações, apurações de fatos e conclusões sobre os atos de repressão e tortura ocorridos no período entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. Todavia tenha-se dado um passo importante na revelação dos fatos, ainda há muito a ser desvendado.

“Estamos muito felizes [pelo resultado do documentário]. Sentimos que fizemos um trabalho realmente relevante, afinal a história do Dopinha foi pouquíssimas vezes contada”, avalia Luiz Paulo. Ele aponta que o jornalismo é responsável por trazer a verdade sobre fatos que ainda permanecem no anonimato. ”Ajudamos e colocar luz no Dopinha. Mas o próprio documentário levanta outras questões que também merecem ser investigadas. No Rio Grande do Sul, não só o Dopinha, mas há outros lugares de tortura, de repressão, que o jornalismo ainda precisa jogar luz”.

Sobre o filme

Título: Dopinha

Duração: 48 minutos

Direção: Juliana Borba e Luiz Paulo Teló

Roteiro: Juliana Borba, Luiz Paulo Teló

Produção: Bethina Baumgratz, Jacson Dantas, Leonardo Vieceli, Luciana Marques

Coordenação: Professora Flávia Seligman

Entrevistados:

– Carlos Guazzelli: coordenador da Comissão Estadual da Verdade do Rio Grande do Sul.

– Rafael Guimaraens: jornalista, escritor e editor de vários livros sobre a história de Porto Alegre.

– Jair Krishke: coordenador do Movimento de Justiça e Diretos Humanos do RS.

– Susel Oliveira: Professora do Programa de Pós-Graduação em História da UFPB (Universidade Federal da Paraíba). Tem trabalhos publicados sobre a repressão militar em Porto Alegre.

– Raul Ellwanger: músico, ativista e membro do Comitê Carlos de Ré, movimento civil que há alguns anos luta para que a casa do Dopinha se torne um memorial.

– Christine Rondon: coordenadora do Comitê Carlos de Ré.

– Carlos Heitor Azevedo: foi preso político e teve passagem pelo Dopinha.

– Suzana Lisbôa: ex-militante, foi perseguida pelos militares e também é viúva de Ico Lisboa, militante gaúcho morto nos anos 70.

Menção honrosa

Na ocasião, o Instituto Humanitas Unisinos (IHU) recebeu menção honrosa pelas edições da Revista IHU Online “1964 – Golpe Civil-Militar” e “Brasil, a construção interrompida: Impactos e consequências do golpe de 1964”, que se inserem no contexto do Ciclo de Estudos 50 anos do Golpe de 64. Impactos, (des)caminhos, processos. O trabalho é dos jornalistas Ricardo de Jesus Machado, Andriolli Costa, Luciano Gallas e Patrícia Fachin.

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