O que o Direito tem a ver com o clima

Confira a entrevista e saiba como as leis, o desmatamento e o efeito estufa estão interligados

Crédito: Divulgação

Imagine que a partir de agora não há mais Direito. O que vem à sua cabeça? Pessoas se desentendendo, sem ninguém para intervir? Crimes cometidos sob a justificativa da impunidade? A própria definição de crime posta em xeque? Claramente, essa é uma realidade inventada e não temos de nos preocupar com a perspectiva de viver em uma terra sem leis. A fantasia, porém, permanece válida para a provocação que segue: você já pensou o que seria do clima sem os regramentos jurídicos?

Menos óbvio do que o convívio em sociedade, o clima é, também, matéria de interesse para o Direito. Quem explica onde os dois se encontram é o professor Délton Winter de Carvalho, do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos: “O Direito, como importante mecanismo social, exerce um papel-chave no combate e na adaptação dos países em relação às mudanças climáticas. É por meio da regulação e de instrumentos jurídicos que pode haver a limitação das emissões de gases do efeito estufa por atividades econômicas”.

Nesta semana, Délton intermediou a visita do professor Daniel Farber à Unisinos. O encontro foi motivado pela parceria para atividades de pesquisa que há entre a Unisinos e a Universidade da Califórnia, em Berkeley, Estados Unidos — Daniel é diretor do Programa de Direito Ambiental e do Centro de Pesquisa para o Direito, Energia e Meio Ambiente da instituição norte-americana. Confira, na entrevista a seguir, o que os dois especialistas têm a falar sobre a relação entre Direito e clima.

Em linhas gerais, o que o Direito tem a ver com as mudanças climáticas?

Daniel Farber – O Direito se relaciona com mudanças climáticas de duas formas. Primeiro, para promover a redução de seus efeitos colaterais, nós precisamos ter um Direito que limite as emissões de gases do efeito estufa e o desmatamento. Segundo, as mudanças climáticas irão causar muitos problemas, tais como inundações altamente perigosas e de alto custo social e econômico. Portanto, nós precisaremos de regramentos para proteger as pessoas destes efeitos nocivos. Os legisladores e os tribunais deverão, necessariamente, se envolver para implementar políticas climáticas.

Délton Winter de Carvalho – O Direito, como importante mecanismo social, exerce um papel-chave no combate e na adaptação dos países em relação às mudanças climáticas. É por meio da regulação e de instrumentos jurídicos que pode haver a limitação das emissões de gases do efeito estufa por atividades econômicas. Neste sentido, as leis e o Direito, como um todo, podem pressionar governos e mercado para o desenvolvimento de inovações tecnológicas e padrões de maior eficiência energética. Em outras tintas, o Direito deve encaminhar o sistema econômico para uma economia de baixo carbono, desvinculando-se do uso prioritário de combustíveis fósseis. Isso não é nada fácil.

Outro aspecto do papel do Direito para lidar com as mudanças climáticas consiste na constatação de que este fenômeno irá incrementar a ocorrência de eventos climáticos extremos. A título exemplificativo, instrumentos de planejamento territorial das cidades e um necessário aumento do cuidado com áreas de risco passam a ser fundamentais para prevenir os danos decorrentes de desastres climáticos. Da mesma forma, será papel da legislação e dos tribunais definir quais vítimas terão direito a ressarcimento financeiro pelas perdas e auxílio governamental para que se recuperem destes eventos.

Que mecanismos o Direito tem à disposição para diminuir os impactos no equilíbrio do clima?

Daniel Farber – Com esta finalidade, os países devem ter regramentos jurídicos que exijam o uso de fontes de energia renováveis em detrimento dos combustíveis fósseis e previnam processos de desmatamento. Estes regramentos jurídicos podem tomar inúmeras formas, tais como normatizações, em nível estadual e federal, assim como regulações administrativas. Os tribunais, por seu turno, também deverão produzir decisões neste sentido, assim como os tratados internacionais deverão comprometer os países globalmente.

Délton Winter de Carvalho – O Direito pode atuar em dois níveis, mitigação (diminuição da intensidade das mudanças climáticas pela redução da emissão de gases do efeito estufa ou adoção de tecnologias para diminuição do fenômeno) e adaptação (processo que visa combater as vulnerabilidades das comunidades frente às mudanças climáticas, em outras palavras, estratégias para diminuir os impactos das mudanças climáticas).

Em nível de mitigação, os principais pontos são a utilização de uma matriz energética comprometida com fontes renováveis e com a diminuição das emissões em geral. Neste sentido, no Brasil temos a Lei de Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei 12.187/09), que estabelece estratégias para reduzir as emissões, assim como para promover a adaptação do país aos efeitos negativos das mudanças climáticas. Outra legislação importante para fins de adaptação às mudanças climáticas consiste na Lei de Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (Lei 12.608/12), que trata da prevenção e resposta aos impactos dos desastres naturais.

Creio que, além do planejamento de ordenação do solo (por meio de planos diretores), são incontáveis os instrumentos jurídicos que podem servir para a diminuição dos impactos negativos das mudanças climáticas. Primeiramente, é fundamental um incremento das pesquisas e informações sobre as áreas de risco nas cidades. Além disso, os operadores do Direito devem estar mais atentos às consequências esperadas com o aumento das mudanças climáticas, com a finalidade de usar o judiciário como uma estratégia de impor a governos e empresas medidas necessárias para a adaptação climática. Neste sentido, as classes mais vulneráveis continuam sendo as mais atingidas por fenômenos climáticos extremos, tais como inundações, estiagem, vendavais, entre outros.

 

“O Direito se relaciona com mudanças climáticas de duas formas. Primeiro, para promover a redução de seus efeitos colaterais, nós precisamos ter um Direito que limite as emissões de gases do efeito estufa e o desmatamento. Segundo, as mudanças climáticas irão causar muitos problemas, tais como inundações altamente perigosas e de alto custo social e econômico. Portanto, nós precisaremos de regramentos para proteger as pessoas destes efeitos nocivos.”

Daniel Farber, especialista em Direito Ambiental

 

No contexto climático brasileiro, quais são os temas de maior interesse para o Direito? Em outras palavras, sobre que matérias, relacionadas ao clima, os nossos juristas estão debruçados?

Daniel Farber – Certamente, o Brasil tem tentado enfrentar o problema do desmatamento, mas ainda existem muitos desafios no caminho. Em nível de política energética, fundamental para mitigação das emissões de gases do efeito estufa, o Brasil é um dos pioneiros no uso de biocombustíveis, como alternativa aos combustíveis fósseis. O país está começando a usar energia eólica, porém o uso da energia solar não está muito avançada, apesar do enorme potencial do país para o uso massificado desta fonte renovável de energia. Em termos de impactos das mudanças climáticas, existe um grande trabalho que precisa ser feito para enfrentar inundações e secas no país.

Délton Winter de Carvalho – Creio que, no nosso país, alguns temas já começam a despertar muito interesse da comunidade jurídica e das decisões em casos judiciais. Dentre estes, merecem destaque o controle jurídico e estímulos econômicos para a redução das emissões de gases do efeito estufa. Da mesma forma, há todo um processo de litigiosidade climática que tem por objeto a busca por indenizações a prejuízos climáticos, assim como promover pressão para a adoção, pelos governos, de políticas climáticas mais bem definidas e rígidas. Finalmente, dois ramos que começam a se desenvolver com muita rapidez no Brasil são o Direito Energético (Energy Law) e o Direito dos Desastres (Disaster Law). Assim, o Direito das Mudanças Climáticas visa a controlar tais aspectos pela legislação interna aos países, orientados por linhas gerais dos tratados internacionais.

Inegavelmente, um dos temas jurídicos mais importantes num cenário de mudança climática é a questão envolvendo o desmatamento da Amazônia e a aplicação da legislação florestal. As florestas, num cenário de mudança climática, passam a ser importantes ativos de combate ao fenômeno e seus efeitos colaterais. Neste sentido, são de fundamental importância instrumentos de punição, mas sobretudo aqueles de estímulo a comportamentos adequados. Neste sentido, há vários casos de remuneração de proprietários para a manutenção das florestas em pé.

 

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