Esta tese teve por objetivo deslindar aspectos de uma história da subjetividade de usuários de maconha no Brasil mediante descrições e análises de racionalidades e de tecnologias de governo ético e de governo político que conformam diferentes processos de educação mediante a formação de sujeitos. Para tal, realizou-se uma pesquisa empírica que buscou compreender, de um lado, como o uso de maconha foi constituído, no Brasil de início a meados do século XX, enquanto problema pensável e administrável, com a produção, principalmente na psiquiatria e na medicina, de saberes sobre essa droga, seus usos e usuários, o que permitiu um avanço dos controles sociais sobre as práticas de alteração de consciência por meio do uso dessa substância. De outro lado, esta pesquisa visou compreender como esse processo de objetivação de sujeitos e de suas práticas em discursos de verdade se relaciona com os modos pelos quais, neste início de século XXI, consumidores de maconha problematizam e atuam sobre si mesmos e sobre os outros, procurando se constituir como sujeitos de suas práticas de alteração de consciência. A partir de fontes de pesquisa que vão de estudos médicos e psiquiátricos a interações entre usuários de maconha em um fórum virtual na internet, e fazendo uso de ferramentas analíticas elaboradas por Michel Foucault, notadamente a noção de “governamentalidade” entendida como superfície de contato entre o governo de si e o governo dos outros, analisou-se discursos e práticas de controle e autocontrole, identificando-se como racionalidades e tecnologias de governo policial e de governo liberal das condutas de usuários dessa droga incidiram e incidem diferencialmente sobre sujeitos usuários de maconha, tendo em vista, sobretudo, suas posições de “classe” e de “raça”. Os resultados da investigação apontaram, ainda, para uma coexistência de governamentalidades nas formas de gestão do uso de maconha no Brasil: de um lado, problematização e governo policial das condutas de traficantes e usuários pobres; de outro, possibilidades de resistência liberal, de estilização de autocontroles e propugnação de formas de autogoverno por usuários de classes médias e altas. Concluiu-se que o sujeito usuário de maconha foi construído historicamente, no Brasil, entre o início e o meado do século XX, como um sujeito patológico e criminógeno. Tal subjetividade tem sido contestada e reelaborada, principalmente neste início de século XXI, em nosso país, no marco da emergência de racionalidades e tecnologias liberais e neoliberais de governo das condutas, de modo a conformar um sujeito usuário de maconha auto controlado e gestor de si. Essa produção de subjetividade, contudo, se encontra limitada: teoricamente, pela dificuldade de se fundar uma ética em uma ideia de autonomia como pleno controle de si, e, praticamente, pelos profundos recortes e divisões socioeconômicas que caracterizam a sociedade brasileira.

  • Autor(a): Tiago Magalhães Ribeiro

  • Co-autor(a): Elí Terezinha Henn Fabris