DRA. CRISTINE TREVISAN

Setembro 2020

Conversando com Dra. Cristine Trevisan para falar sobre suas experiências dentro da Paleobotânica e seu trabalho no Instituto Antártico Chileno (INACH).

Dra. Cristina, ex-aluna da UNISINOS, diferente da maioria dos especialistas da área da paleontologia, não foi influenciada a estudar o tema pelos filmes da geração Jurassic Park, e sim, pelas fantásticas aulas de paleontologia e geologia histórica da professora Dra. Tania Dutra no curso de graduação em Biologia e o amor pela botânica de um colega da graduação. 

“Eu não queria perder as aulas da professora Tânia por nada, eram instigantes e interessantes. Neste momento descobri Stephen Jay Gould e Carl Sagan, aí me apaixonei de verdade!”

Nos campos de botânica com seu colega Thiers foi descobrindo o mundo encantador das plantas e, principalmente, das samambaias. Depois de estudar botânica, a professora Tania lhe ofereceu uma bolsa de iniciação cientifica para estudar as plantas fósseis que estavam depositadas no museu MHGEO (foi seu primeiro contato com os fósseis).

“Depois de entrar para a paleobotânica nunca mais consegui sair, foi amor à primeira vista. Um momento importante foi a minha primeira saída de campo pela disciplina de paleontologia para o afloramento Cambai Grande (São Gabriel, RS), foi o lugar onde encontrei meu primeiro fóssil.”

Anos mais tarde, Dra. Cristine, se encontra trabalhando no Instituto Antártico Chileno (INACH) em Punta Arenas: pesquisadora do Departamento Científico do INACH e responsável pelo laboratório de Paleobiologia.  Faz parte de projetos de cooperações internacionais com o Brasil, Bulgária e Nova Zelândia. No Brasil, um dos projetos que trabalha é da Unisinos, com os professores Gerson Fauth (ITTFossil) e Rodrigo Horodyski (curador do museu MHGEO e coordenador do curso de Geologia – UNISINOS).

Qual seu enfoque principal de pesquisa no momento? 

Cristine: Meu enfoque na pesquisa são as Paleofloras que viveram durante o período Cretáceo nas altas latitudes do Sul (Antártica e Patagônia).

Por que as pteridófitas instigam sua curiosidade? O que o grupo representa para você?

Cristine: No meu ponto de vista, as samambaias através da sua antiga História Natural têm muito a nos ensinar… Elas nos contam uma história muito primitiva de sucesso evolutivo e de muita resiliência. Imaginem que as samambaias surgiram no planeta terra a aproximadamente 300 milhões de anos, passaram por grandes mudanças e por diversas extinções e, ainda hoje, habitam praticamente todo o planeta.


Frondes vegetativas de samambaias encontradas na patagônia, Cerro Guido, Cretáceo.

Essas plantas são únicas e de uma resiliência invejável, desde seu ciclo de vida até os fósseis encontrados na Antártica. Da para imaginar que há 80 milhões de anos existiam bosques exuberantes formados por samambaias no continente antártico? Hoje é o único lugar onde não encontramos samambaias, mas sabemos que algumas famílias deste grupo podem ter se originado na Antártica. Atualmente,  existem mais ou menos 13.000 espécies de Pteridophytas (samambaias), que se distribuem por todo planeta, algumas aquáticas, outras que vivem próximas a vulcões, dentro de cavernas, algumas arborescentes (como nosso Xaxim), outras que vivem no deserto, ou seja, em praticamente todos ambientes e cada uma com uma informação ecológica particular. Na minha opinião este é o mais importante grupo de plantas. Com essa história de sucesso evolutivo e por se tratar de um grupo tão primitivo, devemos estar atentos as samambaias e entender como sobreviveram a tantas mudanças, fazendo parte das nossas vidas até os dias atuais.


Você pode nos contar sobre seu trabalho no INACH?

Cristine: Aqui no INACH o trabalho se divide basicamente entre Ciência e assuntos administrativos. O Instituto é um órgão do governo que faz parte do Ministério de Relações Exteriores do Chile.  Na área da ciência avaliamos projetos, relatórios, recebemos alunos, participamos de eventos de divulgação científica e cooperamos com as expedições antárticas todo ano.  É importante também criar redes de pesquisas internacionais, já que a Antártica é um assunto de importância e relevância global. Geralmente passamos boa parte do ano elaborando projetos de pesquisas para poder ir a campo coletar material para futuras publicações.

Qual foi a emoção de realizar saídas de campo na belíssima Patagônia?

Cristine: A emoção é única. A primeira vez que fui à campo na Patagônia foi impactante. Nunca tinha estado tanto tempo acampando e com temperaturas muito baixas e com neve, vento, frio e ainda tínhamos que caminhar muitos quilômetros para chegar aos afloramentos.  O campo na Patagônia exige bom equipamento, concentração e muita determinação… bastante distinto dos campos no Brasil, onde geralmente o clima é mais ameno, podemos algumas vezes acampar perto das cidades onde estamos trabalhando ou até mesmo ficar em hotéis. Na Patagônia, o lugar que trabalhamos se chama Cerro Guido e fica a mais ou menos 300 Km de Punta Arenas. Nos transportamos em veículo com todo equipamento até Cerro Guido e a partir daí precisamos caminhar 17 Km com vento, frio, sol, neve, todas estas intempéries em questão de poucas horas até chegar ao lugar onde vamos acampar por 15 dias.

Nesses ambientes também está registrada abundante e diversificada flora fóssil representada por samambaias, araucárias, podocarpos e muitas plantas com flores. Até o momento, acredito que as principais descobertas estão na conexão Antártica e América do Sul, ao final do Cretáceo. As altas concentrações de CO2 que mantiveram a Terra em um efeito estufa elevaram o nível do mar entre 80 e 150 metros, esses eventos de calor e frio ocorreram algumas vezes, assim que Antártica e América do Sul estavam próximas. Esses dados nos fazem compreender melhor a biota que vive hoje no Hemisfério Sul.


Qual é a sensação que você sente quando encontra uma fronde bem preservada em campo?

Cristine: A sensação é de pura emoção, mas ao mesmo tempo de muito cuidado para poder conseguir os melhores dados in situ. Mas, a real emoção é de alegria por encontrar uma fronde bem preservada e saber que se pode posteriormente fazer estudos mais detalhados e incluir essa planta no contexto geral da flora, e entender seu papel no ambiente em que essa planta foi depositada.

Fronde de duas espécies de samambaias do Cretáceo (70 m.a.), Cerro Guido, Patâgonia.

Qual amostra fóssil você pode dizer essa é minha “menina dos olhos”?

Cristine: Tenho várias preferidas, mas a que mais gosto é essa fronde que foi coletada na Patagônia (foto) porque está muito bem preservada e contém as estruturas reprodutivas (pontos negros). No caso das samambaias, a taxonomia, ou seja, a classificação é designada pela forma destas estruturas reprodutivas. No momento em que eu encontro uma fronde preservada dessa maneira eu já posso sugerir a que família pertence e as vezes inclusive dizer a estação do ano através das estruturas reprodutivas, pois esses esporângios aparecem somente em determinadas épocas do ano.

Fronde de samambaia vegetativa e com estruturas reprodutivas excepcionalmente preservadas.

O que você mais se orgulhou de realizar até agora em sua carreira?

Cristine: Até agora, o que mais me deixa orgulhosa é poder levar adiante a ciência antártica que, no meu caso, começou com os trabalhos da professora Dra. Tania Dutra e continuar descobrindo cada vez mais sobre a origem, migração e evolução das floras que hoje vivem no hemisfério Sul. Aqui no INACH também é importante mencionar o trabalho do Dr. Marcelo Leppe que desde 2010 foi responsável pela Paleontologia no instituto. Outra situação que faz me sentir realizada, é receber alunos interessados na paleobotânica e poder transferir o conhecimento que tenho até agora e, obviamente, junto com a empolgação dos alunos buscar novas ideias e novas descobertas científicas paleontológicas.

Para você qual é a importância do conhecimento de paleontologia na sociedade como um todo?

Cristine: A paleontologia é a ciência que permite conhecer a vida no passado e como foi sua evolução, mostrando também como determinadas mudanças que ocorreram no planeta terra como o clima e a paisagem interferiram na nossa vida atual. O estudo dos fósseis é um recurso excepcional para conhecer a história da vida e de como surgimos e evoluímos como espécie. A paleontologia tem uma importância imensurável para a sociedade, pois estamos estudando o patrimônio cultural da nossa própria história e o valor desses fósseis são imensuráveis. A partir dessa ciência podemos nos conectar com a nossa origem e compreender melhor o papel que temos como organismos vivos que fazem parte de uma história muito longa. Cada vez que descubro algo como paleontóloga tenho mais respeito e orgulho pelo nosso planeta.  O papel da paleontologia é fundamental para compreender os vestígios da vida do passado, as espécies que surgiram, a evolução, diversificação e a riqueza e abundância destas espécies. Aplicar estudos paleontológicos a problemas que nos preocupam hoje como as mudanças climáticas, por exemplo, nos ajuda a estudar novos modelos e de como reagir a estes câmbios em um futuro próximo. Nunca podemos esquecer a importância da proteção e conservação do patrimônio paleontológico para as gerações futuras e para a humanidade. Como parte do nosso passado, esse patrimônio precisa ser conservado e levado a sério. Penso que a paleontologia tem um papel intelectual na sociedade e pode ser utilizada como mecanismo social para educar as pessoas em sua própria história de vida neste planeta.


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